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Romanos 10.14...
"... Como pois invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não ouviram falar? e como ouvirão, se não há quem pregue?..."

17 de ago. de 2010

BAJULAÇÃO: DEVEMOS TEMER MAIS A LÍNGUA DO BAJULADOR DO QUE AS MÃOS DO PERSEGUIDOR


     Agostinho, autor extraordinário em todos os assuntos, utilizando doutrina tirada da escola do rei Davi, ensina que há dois tipos de inimigos: uns que perseguem, outros que bajulam. Agostinho disse que devemos temer mais a língua do bajulador que a mão do perseguidor. A mão do perseguidor arma-se com a espada, com a lança, com a seta, com o veneno, e com todos os demais instrumentos de ferir e matar. Porém, temos que temer muito mais a língua aparentemente desarmada do bajulador, pois é muito mais perigosa que todas essas armas do perseguidor juntas.
     Alguns autores comparam o bajulador ao camaleão, que não tendo cor própria nem definida, reveste-se e pinta-se de todas as cores, quaisquer que sejam as do objeto vizinho. Outros o comparam à sombra, que não tem outro movimento que não seja imitar o corpo interposto à luz, do qual nunca se separa, e sempre e para qualquer parte o segue. 
     Outros comparam o bajulador ao espelho, retrato natural e recíproco de quem nele se vê. Por que se tu o olhares, ele olhará para ti. Se tu rires, ele rirá. Se chorares, ele chorará. Porém, serão lágrimas sem dor e riso sem alegria. Todavia, como o camaleão, a sombra e o espelho são imitadores mudos, a comparação que Agostinho fez do bajulador é a mais adequada e melhor de todas. Ele o comparou ao eco.
     O eco sempre repete o que diz a voz, e não sabe dizer outra coisa. Onde as concavidades são muitas, é cena verdadeiramente divertida ver como os ecos vão se respondendo sucessivamente uns aos outros, e todos sem variação, dizendo a mesma coisa. É assim que agem os bajuladores. O que disse a primeira voz, é o que todos repetem uniformemente. 
     Se o rei disser que quer iniciar uma guerra, mesmo que essa guerra seja de consequências perigosas, o que os ecos respondem? Guerra! guerra! guerra! Mas se o rei disser que quer declarar paz, mesmo que a ocasião seja desaconselhável e as condições impostas pelo inimigo sejam indecorosas, o que os ecos respondem? Paz! paz! paz! Se o rei disser que quer enriquecer os cofres públicos, mas para isso terá de aumentar consideravelmente os impostos, ainda que seus pretextos tenham mais de egoísmo e vaidade que de utilidade, o que os ecos respondem? Impostos! impostos! impostos! Da mesma forma agem os bajuladores.
     Sêneca dizia que preferia muito mais ofender o rei com a verdade, do que agradá-lo com a bajulação. Mas quem era Sêneca? Um grande filósofo estóico. Ele ensinava que a pessoa que possuía a maior riqueza era aquela que sabia viver sem depender de nenhuma. E ele mesmo praticou isso, pois sendo um homem riquíssimo, renunciou a todas as suas riquezas e entregou-as ao Estado romano. Ora, um homem que foi capaz de aumentar os tesouros do rei com a doação dos seus bens, tinha coragem e autoridade suficientes para correr o risco de ofender o rei com a verdade do que agradá-lo com a adulação.
     Porém, aqueles que querem remediar a sua pobreza, melhorar a sua casa ou alimentar a sua vaidade com os tesouros do rei, que podemos esperar deles? Que digam cinquenta adulações para conseguir um cargo, e que não se atrevam a dizer meia verdade, para não perdê-lo. 
     Diógenes, outro grande filósofo da antiguidade, que jamais concordou em adular os reis em troca de riquezas ou cargos, era tão pobre que não tinha sequer uma choupana para morar, e vivia dentro de um barril. O imperador Alexandre o Grande ouviu falar de Diógenes e quis conhecê-lo. Encontrou-o em uma planície perto de um bosque, com o semblante sereno e feliz, calmamente sentado dentro do seu barril, apreciando a natureza enquanto meditava. 
     Alexandre o Grande ficou impressionado ao ver um homem tão desprendido dos bens materiais, exatamente o oposto dele e de todos os bajuladores que o cercavam. Como era o rei mais poderoso do mundo naquela época, Alexandre disse a Diógenes que lhe pedisse o que quisesse. Diógenes respondeu: “Peço-te que não me tires o que não me podes dar.” Diógenes disse isto porque era Inverno, e Alexandre, ao parar diante do filósofo, estava impedindo, com a sombra do seu corpo, que Diógenes continuasse tomando o seu banho de sol. Alexandre virou-se para os ministros e generais que o acompanhavam e comentou: “Se eu não fosse Alexandre, o único homem que eu gostaria de ser nesse mundo era Diógenes.”
     Durante todo o tempo em que o rei Dionísio dominou a Sicília, não conseguiu subornar o grande filósofo Diógenes para fazê-lo parar de dizer-lhe algumas verdades. Diógenes, que era admirado por todos por sua coragem, sinceridade, e porque jamais aceitara vender sua consciência, estava certa vez lavando algumas ervas para comer, quando um dos bajuladores do rei aproximou-se e disse-lhe: “Se tu adulasses ao rei Dionísio não comerias ervas.” Imediatamente, Diógenes respondeu: “E se tu te contentasses em comer ervas, não precisarias adular a Dionísio.”
     Perguntaram certa vez a Biantes, um dos sete Sábios da Grécia, qual era o animal mais venenoso do mundo, e ele respondeu: “Dos bravos o tirano, dos mansos o bajulador.” Ao chamar a adulação de veneno, Biantes acertou em cheio; porém, ao distinguir o tirano do adulador, Biantes não foi muito feliz, porque todo adulador é um tirano. 
     O maior tirano que houve no tempo do nosso Salvador Jesus Cristo foi Herodes. Porém, os seus bajuladores ainda foram maiores tiranos que ele, porque o rei foi o tirano dos seus vassalos, e os bajuladores foram os tiranos do rei. 
     O texto do profeta Miquéias que os bajuladores explicaram a Herodes sobre o nascimento do novo Rei, fala expressamente de dois nascimentos do Messias, um temporal, como homem, e outro eterno, como Deus. O temporal como homem: “...de ti me sairá o que será Senhor em Israel” (Mq 5.2a), e o eterno como Deus: “e cujas saídas são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade” (Mq 5.2b). 
     O que os escribas e os príncipes dos sacerdotes, os maiores bajuladores de Herodes, fizeram na tentativa de dar pistas sobre o nascimento do Messias àquele rei que se perturbara e deixara todos perturbados ao saber que um rei ameaçador do seu trono havia nascido? (Mt 2.3,4). Na tentativa de ajudar aquela raposa traiçoeira, os bajuladores citaram a passagem profética de Miquéias. Mas só citaram a primeira parte, que fala sobre a natureza humana de Jesus, silenciando totalmente sobre a segunda natureza, a divina: “E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre as capitais de Judá; porque de ti sairá o Guia que há de apascentar o meu povo de Israel.” (Mt 2.6).
     Tendo sido enganado por seus bajuladores, Herodes supôs que aquele que havia nascido em Belém era tão-somente homem e não Deus, e que podia matá-lo. E a consequência dele pensar assim foi o decreto da morte dos inocentes (Mt 2.16). Sendo um assunto tão grave, o mais grave que poderia haver naquela corte, pois envolvia a coroa e a salvação de Israel, aqueles enganadores citaram a profecia de Miquéias pela metade, com o intuito de, através de uma meia-mentira e uma bajulação, traquilizarem o coração amedrontado daquele tirano. Vejam em que pode resultar a bajulação! Muitas crianças inocentes foram mortas graças à atitude dissimulada e falsa de um bando de bajuladores.
     (Trechos do Sermão da Primeira Sexta-Feira da Quaresma, pregado na Capela Real de Lisboa, em 1651, pelo maior pregador da língua portuguesa, Antônio Vieira. Ele estava com 43 anos de idade. Adaptado e atualizado para o leitor do século 21).

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