
Mesmo com os diversos tipos de problemas que os pacientes pediátricos tem que enfrentar devido a nutrição parenteral é possível que eles mantenham um ponto de vista positivo e lidem bem com a doença de base. Os autores explicam que isso aconteça talvez porque já estivessem acostumados a viver com nutrição parenteral.
O objetivo deste estudo foi explorar o impacto da terapia nutricional parenteral domiciliar (TNPD) sobre a qualidade de vida sob o ponto de vista dos pacientes pediátricos, através de entrevistas individuais sobre seu estilo de vida e saúde.
O grupo participante foi formado por sete crianças e adolescentes (um menino e seis meninas), com idade entre 7 e 17 anos, todos com falência intestinal sob TNPD. Essas crianças receberam terapia nutricional parenteral desde o nascimento ou na primeira infância e permaneciam com aproximadamente 80% da nutrição sob forma intravenosa, sem previsão breve de melhora.
A alimentação era restrita em todos os casos. Todas as crianças, exceto duas, podiam comer via oral, mas havia limitações quanto ao tipo de comida, frequência das refeições e quantidade de comida por refeição. Apesar da repercussão negativa que as crianças expressavam após as refeições, três participantes relataram que tentavam preservar a motivação para comer: “eu gosto de comer porque faz com que eu cresça e eu quero crescer como a minha irmã”, ou “eu sinto fome de vez em quando!”. Uma criança relatou não comer nada, pois associava a comida a sintomas desagradáveis. “Eu tentava comer, pedacinho por pedacinho, mas eu não tinha motivação e sempre me sentia mal e com náuseas”, disse em entrevista.
A maioria das crianças apresentou um bom nível de entendimento sobre sua doença e tipo de tratamento, mas viver com uma doença crônica era um motivo de tristeza. Mesmo assim, a TNPD e suas complicações pareciam ser parcialmente aceitas. Todos os participantes já haviam passado por grandes períodos hospitalizados e retornavam ao hospital em casos de complicações graves. A maioria das crianças já estava acostumada com os procedimentos de rotina. Um dos pacientes mais velhos comentou que o setor pediátrico já não era apropriado para ele. “Eu sinto que já sou velho para esta brinquedoteca”, afirmou.
A qualidade de vida foi definida como a percepção individual da sua posição na vida, em relação aos seus objetivos, expectativas, critérios e preocupações. Embora as restrições do dia-a-dia destas crianças interferissem na qualidade de vida, os efeitos foram diferentes para cada indivíduo, dependendo de suas expectativas, idade e interesses pessoais.
Segundo os entrevistados, a TNPD aumentava o tempo que as crianças passavam dentro de casa, limitando a prática de atividade física e a socialização. As cinco crianças mais novas disseram que estariam mais envolvidas com esportes se não tivessem as limitações do tratamento. O impedimento de dormir fora de casa e viajar também foi visto como um ponto negativo. “Eu não posso ir para qualquer lugar porque tenho que carregar os materiais da terapia nutricional comigo”, diziam.
Os autores enfatizam que os profissionais da saúde devem estar sempre alertas para as limitações desnecessárias impostas pelos pais e professores. As crianças devem ser encorajadas a participar de esportes, inclusive natação, devendo evitar apenas os esportes de contato.
Os amigos mais próximos sabiam sobre a TNPD dos pacientes, se mantinham dispostos a conversar sobre o assunto e os ajudavam a enfrentar as restrições do tratamento. Entretanto, algumas crianças preferiam guardar segredo para o resto do grupo de amigos. “Alguns amigos meus nem sabem da minha história médica. Eles simplesmente acham que eu sou normal”. Dois participantes reportaram terem sido vítimas de bullying (termo em inglês utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica) na escola por conta de complicações da nutrição parenteral (uma criança estava com icterícia e outra com sobrepeso).
O desejo de ser igual as outras pessoas foi expressado pela maioria das crianças, mas duas delas relataram pensamentos diferentes: “Eu não acho que seja tão diferente, afinal todo mundo é diferente. Eu já conheci outras pessoas com o mesmo problema que eu”.
As crianças expressaram esperança de que, no futuro, a cura de sua doença seja descoberta. Os principais aspectos que ajudaram as crianças a enfrentar a vida com TNPD foram: apoio dos pais e irmãos, bom entendimento da doença e tratamento, participação em atividades normais da infância e animais de estimação.
Planos de educação superior foram discutidos com os pacientes mais velhos, que se sentiam inseguros sobre a ocupação profissional que gostariam de ter. Mas, segundo os autores, após a conclusão do estudo, um participante completou com sucesso seu primeiro ano de faculdade e outro estava trabalhando em tempo integral.
Referência(s)
Emedo MJ, Godfrey EI, Hill SM. A qualitative study of the quality of life of children receiving intravenous nutrition at home. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2010;50:431-40. |
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