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Romanos 10.14...
"... Como pois invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não ouviram falar? e como ouvirão, se não há quem pregue?..."

22 de mai. de 2010


A SÍNDROME DA ONIPOTÊNCIA HUMANA E O PODER DO TESTEMUNHO PESSOAL


Há algum tempo venho prometendo mudar esse espaço virtual, porém, por razões extremamente alheias à minha própria vontade ainda não pude fazê-lo. Meu objetivo inicial era retomar a função primária do blog, que é ser realmente um “diário virtual”, onde se registra as impressões a respeito de si, dos outros e das coisas que ocorrem ao longo de um dia. Contudo, entendo perfeitamente o apóstolo Paulo quando diz que a única coisa que justifica ter a liberdade pessoal censurada por outras pessoas é somente o fato de a salvação delas depender de meu testemunho (1 Co 10.28-33).

Não aguento mais a falsa piedade que alguns teimam em reproduzir como se todos estivessem cegos em relação ao seu comportamento com questões “seculares”. Dá até vontade de me comportar como aquele garoto que dizia ao pastor que tinha desejo de residir na igreja, pois ali o seu pai era “crente”. Para algumas pessoas o seu “deus” é alguém que elas querem agradar a qualquer custo fazendo-o acreditar que elas são aquilo que representam em sua frente. Na presença do seu “deus” algumas pessoas são caricatas, verdadeiros anjos, quase sem vontade própria. Não obstante, na ausência de quem elas precisam agradar, comportam-se como verdadeiros déspotas, e deixam aflorar seu verdadeiro EU, parecendo até possuir alguns atributos incomunicáveis do Todo-Poderoso.

Como disse o Eclesiastes, não há nada novo sobre a terra, o querer ser deus sempre foi o primeiro e maior pecado da humanidade. Quem já não teve a desastrosa sensação de pensar e — alguns mais ousados ou sem o menor senso do ridículo e de exercício de autocrítica — até de falar: “Eu não erro”, “Tenho convicção que estou certo”, “Minha avaliação acerca de fulano é precisa” etc. Atitudes próprias de quem se julga o máximo e, como felino, só falta lamber-se. Lamentavelmente, esse tipo de postura quase sempre está atrelada a um caráter dúbio, a quem quer esconder-se ultra-dimensionando o erro alheio. Tais pessoas são versões baratas de “Sherlock Holmes”, sempre coando mosquito (erro alheio) e engolindo camelo (o erro próprio). Usam de ética situacional e, ao sabor da situação, ora execram, ora defendem. Afinal, tudo depende apenas da conveniência do momento. Acredito que essa é a pior forma de destronar Deus (se é que Ele algum dia já esteve entronizado no coração de tal indivíduo), e eleger a si mesmo como árbitro final do universo, palmatória do mundo e juiz infalível. Pior de tudo é saber que as pessoas que admiram esses indivíduos não percebem que não há nada de piedade em seus comportamentos, mas sim uma forma muito eficaz de chamar a atenção, de roubar a cena do Calvário e ainda sair como se fossem “extremamente zelosos”, quando na realidade não passam de abutres que vivem da carnificina e desgraça dos “concorrentes” (aqueles a quem eles criticam).

Não consigo mais contemplar a autolatria disfarçada de piedade tomando conta de pessoas que se autodenominam apologistas. Timóteo, o jovem pastor que era ensinado pelo apóstolo Paulo, recebeu a advertência de que nos “últimos dias” surgirão homens que “guardarão as aparências de piedade, negando-lhe contudo o poder” (2 Tm 3.1,5). Em vez de nutrir admiração por essas pessoas, Paulo disse a Timóteo: “Desvia-te também dessa gente!” Infelizmente, a capacidade de persuasão desses elementos é muito grande, e as pessoas, incautas, parecem não enxergar tal verdade (Quem quiser se aprofundar no conhecimento de como é possível as pessoas se tornarem “presas fáceis”, leia Psicologia das Multidões de Gustav Le Bon). O pensador Rubem Amorese oferece um insight interessante a esse respeito:

Vale a pena chamar a atenção para o fato de que não nos referimos apenas àquela idolatria de quem se posta diante de fotos, esculturas, imagens e outras coisas, chamadas de objetos de devoção e veneração. Na verdade, refiro-me principalmente à atitude de auto-suficiência diante de Deus, que retira o Altíssimo do lugar que somente ele deve ocupar, para ser ocupado por outro objeto de devoção. Quero dizer com isso que estou convencido de que há idolatrias muito mais perniciosas, do ponto de vista de suas conseqüências nas regiões celestiais, que na veneração de um santinho. Por exemplo, por uma definição mais abrangente, podem ser enquadradas como idolatria — e realmente o são — desde a avareza (Cl 3.5) até a glutonaria, em que se substitui o Senhor pelo estômago (1 Co 6.13), passando por todas as formas de adultério espiritual a que o homem se entrega.
É muito comum encontrar-se evangélico com o dedo em riste contra outras religiões, cristãs ou não, por causa de sua idolatria, mas que não pode ouvir falar de dízimos e ofertas (porque acha que o que ganha ainda não dá para ser explorado); que não aceita ofensas nem insinuações (não leva desaforo para casa, mesmo que tenha sido apenas uma amorosa exortação do pastor); que corre atrás de elogios (com expressões como: “Ah, eu não tenho predicado nenhum”); que não pode ver um orgulhoso (porque os orgulhosos não se suportam) etc. O deus dessa pessoa é o seu ego. Não vê a trave no próprio olho, apenas o argueiro no olho do irmão. Não se trata, aqui de um posicionamento do lado de quem quer que seja. Não quero classificar idolatrias, para dizer que uma é mais grave ou mais branda que outra. Deus, que sonda os corações, fará isso.1

Teimosamente, insisto em não enquadrar-me na visão super-heróica que criaram para avaliar os líderes religiosos. Talvez minha forma de encarar o ministério seja bastante ingênua (como alguém disse-me, em tom sarcástico, certa vez em seu gabinete), mas ainda assim prefiro não ver-me como “salvador da pátria”, “Elias solitário” ou como possuidor de super-poderes (ou “poder residente”, como se diz na linguagem teológica). Sei que fazendo isso não torno-me popular e contrario as massas que adoram esse tipo de perfil, entretanto, prefiro identificar-me com o que disse John Stott, ao falar sobre Jesus Cristo, mostrando-o como eu: Alguém vulnerável e passível de sofrer as agruras de possuir humanidade:

Já entrei em vários templos budistas em diferentes países da Ásia. Permanecia neles em atitude respeitosa diante de uma estátua de Buda, que tinha as pernas cruzadas, os braços dourados, os olhos fechados, o fantasma de um sorriso nos lábios, sereno e silencioso, com um olhar distante na face, desligado das agonias do mundo. Depois de um tempo eu tinha de dar as costas. E então voltava-me para aquela figura solitária, retorcida, torturada sobre a cruz, com pregos lhe atravessando as mãos e os pés, com as costas dilaceradas, distendidas, a testa sangrando nos pontos perfurados por espinhos, a boca seca, sedenta ao extremo, mergulhada na escuridão do esquecimento de Deus.2

Esse foi o principal fator que levou os judeus a rejeitarem Jesus. Inoculados pelo arquétipo messiânico desenvolvido, principalmente, durante o período interbíblico, aquele Homem (Esse sim deve-se grafar com “agá” maiúsculo) que insistia em estar com “gente comum” não combinava com as expectativas dos judeus. Aquele Homem real que comia e bebia, ia a casamentos, tocava em leprosos e defuntos, curava aos sábados e perdoava prostitutas, nada tinha de similaridade ou paralelo com o idealizado pela ânsia da hegemonia judaica. “Ele”, como diz Stott, “colocou de lado a sua imunidade para sentir dor”.3 É possível ainda dizer que esse Messias traduz claramente o a mensagem do título que o teólogo judeu, Abraham Joshua Heschel, deu ao seu livro: Deus em Busca do Homem. Não sou eu quem O procura, mas é Ele quem me encontra! “De que forma” — pode alguém perguntar. Através do testemunho daqueles que aqui afirmam serem seus discípulos. O grande e grave problema é que a maioria que arroga ter sobre si a “unção” para testemunhar verdadeiramente desse Cristo, parece contrariar com seus atos e vidas àquilo que prega, ensina e escreve.



No último final de semana ouvi relatos que me fizeram repensar várias coisas acerca do que se costuma chamar de “ministério”. Dois deles se sobressaem pela forma como me comportei após ouvi-los. O primeiro foi de um casal muito simpático, ele alemão e ela brasileira. A irmã disse que nunca vira sua sogra esboçar um sorriso sequer. Ele, obviamente mais reservado, relatou o “porquê” desse comportamento de sua mãe. No período da Segunda Guerra Mundial, os pais eram levados prisioneiros. As mulheres eram estupradas e os filhos muitas vezes morriam. A sogra da irmã não sofreu abuso por misericórdia de Deus. Já o pai de família (falecido), quando vivo não suportava ouvir falar de “pastores”. O motivo? No período em que estava preso pelo regime nazista, o alimento que a família enviava era consumido pelos pastores que apoiavam o opressor Adolf Hitler. O outro relato, mais alentador, veio de um pastor chamado Horst Krüger, que foi missionário por duas décadas no Rio Grande do Sul. Ele disse-me que está concluindo uma pesquisa acerca de um grupo de pessoas que caminhava, por cerca de 40 quilômetros, na Polônia, a fim de participarem de um culto. O “detalhe” é que o grupo era composto por mulheres que carregavam crianças em seus braços, tinham os pés descalços e andavam sobre a neve em temperaturas que iam de 15 a 20 graus abaixo de zero.

Mais do que ter um país para apresentar como forma de “encorpar” o currículo de “preletor internacional” (que ninguém jamais cometa a insanidade de assim chamar-me), o que vivi na Alemanha foi uma experiência única: a de ver pessoas sedentas e famintas pela Palavra de Deus. Isso mexeu com a minha estrutura espiritual, pois venho de uma terra onde em cada esquina se mutila, deturpa e usa-se o evangelho para os mais variados fins (menos para o alvo principal que é a salvação das pessoas). Divisões são justificadas com uma “grande visão” que Deus deu ao fulano e o totalitarismo é mantido pela obediência cega a tudo que o “ungido de Deus” dita (mesmo que esteja flagrantemente em oposição ao que a Palavra do Senhor ensina!). Nos dois relatos que ouvi, vejo claramente a aplicabilidade da Bíblia. No primeiro, cabe claramente a verdade da denúncia de Ezequiel repetida por Paulo: “[...] o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por causa de vós” (Rm 2.24 cf. Ez 36.20-23); já o segundo relato, reproduz perfeitamente o que o Senhor Jesus Cristo falou: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai, que está nos céus” (Mt 5.16).
 
Talvez você que respeitosamente me lê esteja pensando: “Onde é que entra os ‘apologistas’ nessa história?” Simples. Já faz algum tempo que examino as coisas por mim mesmo, procurando ter a minha própria opinião sobre elas. Isso não significa, obviamente, deixar de reconhecer o importante papel da mediação no aprendizado. Também não quer dizer que tornei-me adepto do positivismo, achando que não sofro influências ou que me aproximo dos objetos que quero pesquisar sem ter uma opinião a priori acerca deles. Quero apenas deixar claro que não sofro mais de sugestionabilidade (não mais sigo a maioria e não me deixo impressionar por quem está falando). Não quero comportar-me como o colega de Filipe que julgou o Meigo Nazareno simplesmente por sua origem ter se dado na pequena Nazaré (Jo 1.45-51). Do ponto de vista intelectual, há muito que não aceito o comportamento desonesto daqueles que, arrogando-se apologistas, como disse o educador Paulo Freire, baseiam sua “crítica a um autor na leitura feita por cima de uma ou outra de suas obras”, e, “pior ainda”, insistia ele, “tendo lido apenas a crítica de quem leu a contracapa de um de seus livros”4, passam a fazer as leituras mais estapafúrdias que se possa imaginar.
 
Querer compreender o que se passou na Alemanha dos séculos 16 ao 20 sem o fazê-lo à luz dos acontecimentos daquele período é uma estupidez sem tamanho. Antes de acusar Dietrich Bonhoeffer de liberal (no sentido que hoje tem essa expressão), seria mais responsável saber o que os que se denominam “ortodoxos” fizeram naquele momento histórico. A hora de dar testemunho passou como uma das mais horrendas da história. O que Deus irá fazer naquele Continente através de pessoas comuns que vivem o evangelho genuíno é algo que ainda não dá para mensurar, mas acredito que muito poderá ser feito. O que não dá naquele país é querer utilizar as mesmas psicologias de banheiro que aqui se usam na intenção de curar a dor dos que viram os supostos discípulos de Jesus se aliarem ao nazismo e abonarem crueldades em nome de benesses pessoais. A síndrome da onipotência humana (a de que podemos realizar toda e qualquer coisa, muitas vezes usando, indevidamente, o nome de Jesus), não resiste a um curto período de tempo ouvindo as histórias que ouvi.

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