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"... Como pois invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não ouviram falar? e como ouvirão, se não há quem pregue?..."

17 de mar. de 2010

Hermenêutica contemporânea: uma síntese


por Esdras Costa Bentho

 Chargista: Frank
 Ranços e Avanços
A Hermenêutica, como teoria geral da compreensão, é a ciência que investiga a apreensão e interpretação do sentido das coisas pelo sujeito cognoscente. Como (o processo) o indivíduo chega a conhecer é tarefa da epistemologia, mas como (o efeito) o ser interpreta esse saber e o traduz cheio de significado para si é ocupação da hermenêutica. A hermenêutica enquanto ciência da compreensão do texto não se reduz ao contexto teológico, mas o transcende.

Nas conferências de 1819, Schleiermacher (2005:91) afirmou que a hermenêutica enquanto arte geral da compreensão ainda não existira, mas sim, “várias hermenêuticas especiais” – filológica, teológica e jurídica. Seu objetivo era desenvolver uma hermenêutica geral, cuja arte da compreensão fosse aplicada às diversas categorias de textos e obras de arte.
Logo, a direção perfilada pela ciência hermenêutica não se limitaria às regras de interpretação e exegese bíblicas, mas as superariam. Trata-se de uma metodologia que, de acordo com Richard Palmer (1996:51) “é simultaneamente um fenômeno epistemológico e ontológico”.
Assim, é
????? (logos) e desvelamento;
???????? (epist?m?) e descoberta;
????? (tekhn?) e ??????? (poi?sis);
lógica e pathos.
De acordo com Maria Amaral (1994:9), assim como a fenomenologia, a semiótica e outras ciências afins, a hermenêutica contemporânea não é “uma disciplina particular com limites e temas determinados, mas antes uma ‘corrente’ ou ‘tendência’ que se ocupa de questões dos mais diferentes setores da existência”.
Por conseguinte, a hermenêutica abandona o estatuto de metodologia da exegese bíblica para tornar-se, a partir de Schleiermacher, Dilthey, Heidegger e Gadamer, na Alemanha, e Focault, Derrida e Ricoeur na França (para citar apenas os mais influentes), uma filosofia da dúvida, mesmo que metodológica.
Desde Heidegger a hermenêutica não mais se restringe à ciência da interpretação gramatical e das formas de comunicação dialógica (Schleiermacher: 2003; 2005), nem permanece circunscrita a uma metodologia para as Geisteswissenschaften (Dilthey: 1992), mas assume caráter ontológico e fenomenológico.
A partir de Ser e Tempo, Heidegger definirá a hermenêutica como método fenomenológico da interpretação (Auslegung) do ser do Dasein – a hermenêutica doDasein. Embora Heidegger mantenha o estatuto da hermenêutica como teoria da compreensão, afasta-se do foco hermenêutico de seus antecessores subscrevendo-a como a teoria da compreensão do ser.
Logo, a hermenêutica, enquanto ciência geral da interpretação, não se ocupa apenas com as regras de interpretação e exegese do texto, mas também com o processo de compreensão que recebe, de acordo com as correntes de interpretação, ênfase distinta e, por vezes, contraditória.
Todavia, os pressupostos da Hermenêutica Contemporânea não resultam apenas da “virada hermenêutica” mais recente, propalada pela hermenêutica alemã e francesa, mas principalmente da filosofia de Hermann Samuel Reimarus (1694-1768), com a defesa da religião natural e a rejeição da religião revelada, e de Georg W. Friedrich Hegel (1770-1831). É notório que outros pensadores influenciaram a Teologia, como por exemplo, Sören Kierkegaard (1813-1855), Baruch Spinoza, entretanto, a influência de Reimarus e Hegel na teologia alemã é latente.
Embora as concepções modernas da hermenêutica tenham influenciado diversas áreas do conhecimento, interessa-nos, mais propriamente, sua influência e pressupostos na hermenêutica e exegese bíblicas.
Hermenêutica Bíblica
Hermenêutica Bíblica é ciência, epistemologia e teologia. Enquanto disciplina da Teologia Exegética, se ocupa do estudo das técnicas de interpretação e compreensão do texto bíblico; mas como teoria da exegese bíblica, discute os parâmetros e limites da linguagem teológica e da validade dos métodos gerais de interpretação literária aplicados ao texto sagrado.
É tanto uma disciplina teológica de caráter metodológico, interpretativo e literário que introduz o estudante das Escrituras no aprendizado das técnicas de compreensão do texto bíblico, quanto teoria do alcance e limite dos métodos de interpretação do texto. Uma vez que é possível interpretar um texto, é cânon, mas como discute a validade de uma interpretação, é crítica. Assim, como afirma Schnelle (2004:43), a hermenêutica é um processo de leitura, aprendizado e compreensão dirigido metodologicamente, cujo objetivo “é realizar um inventário das dimensões históricas e teológicas dos textos”.
Hermenêutica como Metodologia da Exegese Bíblica
A hermenêutica como metodologia da exegese bíblica ocupa-se da organização e análise sistemática dos processos que devem orientar a investigação científica da Bíblia. Consiste na aplicação dos princípios racionais de investigação usados em documentos plurisseculares com o propósito de apreender o estilo literário de cada autor, a estrutura da obra, as formas literárias do conjunto, entre outros. É o conjunto de procedimentos científicos empregados com o propósito de explicar o texto em sua diversidade.
O uso de uma metodologia na exegese do texto bíblico não é fortuito, mas cumpre duas funções específicas:
  • viabilizar a obtenção do conhecimento científico da Bíblia e,
  • possibilitar a sistematização lógica desse saber.
O método em exegese, por conseguinte, requer o emprego de uma ordem com a qual diferentes processos serão empregados para alcançar determinados resultados. Entende-se por processo, a forma como determinada técnica é aplicada, isto é, o modo específico de executar o método.
Pressupostos da Hermenêutica Contemporânea
Pressuposto é um juízo crítico apriorístico que acompanha toda e qualquer área do conhecimento. Palmer (1996:140) assevera que a esperança de uma interpretação“sem preconceitos e sem pressupostos desapareceu”. Para Heidegger, citado por Palmer, “a interpretação nunca é a captação sem pressupostos de algo previamente dado” (Id.Ibid.).
O teólogo liberal Rudolf Bultmann (1987), seguidor do existencialismo heideggeriano, em seu artigo de 1957, denominado É possível a exegese livre de premissas? alerta para a necessidade de uma exegese que não pressuponha o seu resultado, livre de premissas ou pré-conceito.
Porém, o intérprete é um indivíduo que traz consigo a cultura, a tradição religiosa, preconceitos e conceitos que, por vezes, determinam o resultado da pesquisa, tornando-a questionável. De acordo com o autor citado, conforme a Pontifícia Comissão Bíblica (1994:88), “a pré-compreensão (Vorverständnis) é fundamentada na relação vital (Lebensverhältnis) do intérprete com a coisa da qual fala o texto”.
Infelizmente, diversos exegetas cristãos têm como premissa fundante de seu labor exegético, o naturalismo de Baruque Spinoza, o ceticismo e anti-sobrenaturalismo de David Hume (1711-1776), o evolucionismo de Charles Darwin e, conseqüentemente, o historicismo progressivo de George Wilhelm Hegel.
Da concepção histórica, filosófica e teológica desses e de outros autores resultam:
a) Desmitologização;
b) Desconstrução;
c) Relativismo;
d) Naturalismo;
e) Existencialismo;
f) Desintegração do sentido;
g) Autonomismo textual.
Isto conduz o intérprete a considerar o seu “provincialismo teológico” que, na compreensão do crítico hermenêutico Claude Geffré (1989), se manifesta quando o teólogo sem refletir metodologicamente sobre o texto, reafirma a tradição interpretativa de uma corrente teológica, de uma comunidade local, ou mesmo quando exerce a função ideológica de legitimar junto aos fiéis as tomadas de posição do magistério tanto em ordem doutrinal como na disciplinar.
O desfecho dessas (im)posturas em relação à Bíblia é largamente difundido na história da exegese cristã. Portanto, na hermenêutica e exegese bíblicas o método e os pressupostos não são considerados absolutos e infalíveis, essas prerrogativas são unicamente do objeto a ser pesquisado, a Sagrada Escritura.
Uma breve leitura da história da exegese e da hermenêutica cristã apresenta as contribuições de cada período, suas discussões, avanços e retrocessos. Quando revisitamos a história dos métodos de interpretação, descobrimos que uma variedade de técnicas foram desenvolvidas. Porém, nem todas as metodologias de interpretação passaram à história posterior como método confiável de exegese. O reconhecimento desse fato é uma das principais razões pelas quais rejeitamos a eisegese, considerada sob o paradigma da pós-modernidade e dos teólogos da Teologia da Libertação.
Assim sendo, a interpretação séria das Escrituras não procura valorizar a tradição histórica da ekklesía, mas busca reformá-la segundo uma análise conscienciosa do texto bíblico. Muitos desses problemas não podem ser resolvidos a priori, mas através de um minucioso estudo do vocabulário, da sintaxe das línguas bíblicas e de métodos eficazes de interpretação.
Referências Bibliográficas
AMARAL, Maria N. de Camargo Pacheco. Período clássico da hermenêutica filosófica na Alemanha. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994.
BULTMANN, R. Será possível a exegese livre de premissas? [1957]. In Altmann, W. (ed.) Crer e compreender: artigos selecionados. São Leopoldo:Sinodal, 1986.
GEFFRÉ, Claude. Como fazer teologia hoje: hermenêutica teológica. Coleção Teologia Hoje. São Paulo: Ed. Paulinas, 1989.
HEIDEGGER, Martin. Tempo e Ser. In Conferências e escritos filosóficos. Tradução de Ernildo Stein. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1989.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Coleção O Saber da Filosofia. Lisboa: Edições 70,1996.
PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. A interpretação da Bíblia na igreja. São Paulo: Paulinas, 1994.
SCHNELLE, Udo. Introdução à exegese do Novo Testamento. São Paulo: Edições Loyola, 2004, Bíblica Loyola – 43.

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